Por Astolfo O. de Oliveira Filho
1. Existe alguma diferença entre morte e
desencarnação?
Morte física e desencarnação não ocorrem simultaneamente. A pessoa morre quando o corpo denso deixa de funcionar, admitindo-se hoje, para caracterização do óbito, o conceito de morte encefálica, chamada também de morte cerebral. A desencarnação é outra coisa: a alma desencarna quando se completa o desligamento, o que demanda algumas horas ou alguns dias.
Podemos valer-nos, assim, do vocábulo morte e do verbo morrer e seus derivados, como Kardec fartamente utilizou. (Ver o artigo "A morte na terminologia espírita", O Imortal de agosto/93, pág. 14).
Como nos diz André Luiz ("Estude e Viva, pág. 119): "Desencarnação é libertação da alma, morte é outra coisa. Morte constitui cessação da vida, apodrecimento, bolor".
Fixemos, assim, alguns conceitos, que serão fundamentais sobretudo quando tratarmos da extração de órgãos como coração, pulmão, fígado, rins e pâncreas, que, consoante o cardiologista Alfredo Inácio Fiorelli, coordenador da Central de Transplantes da Secretaria Estadual de Saúde de S. Paulo, devem ser retirados com o coração do doador ainda funcionando.
A morte encefálica, descrita pela primeira vez na França, na década de 50, significa que as estruturas vitais do encéfalo, necessárias para manter a consciência e a vida vegetativa, encontram-se lesadas irreversivelmente. Em outras palavras, o tronco cerebral não funciona, não existe mais a atividade cerebral, há total ausência de circulação sanguínea no cérebro e o eletroencefalograma mostrará o silêncio elétrico cerebral.
Não confundi-la com estado vegetativo, pois neste uma parte do cérebro ainda funciona, visto que a lesão terá atingido parte das células neurológicas, mas não as estruturas do encéfalo.
O Conselho Federal de Medicina estabeleceu, em 1991, através da Resolução no 1346, que a morte encefálica corresponde a um estado definitivo e irreversível de morte, podendo ser utilizada, sem qualquer dúvida, para a retirada de órgãos para transplantes.)
2. A alma só deixa o corpo após a cessação completa da vida orgânica?
Como regra geral tem-se que a separação da alma não se dá instantaneamente; ao contrário, ela se liberta gradualmente e não como um pássaro cativo que, de repente, ganhasse a liberdade. O ensinamento espírita é bem claro: rompidos os laços que a retinham ao corpo, a alma se liberta. (L.E., 155).
Há, porém, uma curiosa e importante exceção a esse princípio, como se vê na questão no 156 d' O Livro dos Espíritos, em que Kardec indaga: "A separação definitiva da alma e do corpo pode ocorrer antes da cessação completa da vida orgânica?". Resposta: "Algumas vezes, na agonia, a alma já deixou o corpo e não há mais que a vida orgânica. O homem não tem mais consciência de si mesmo e, entretanto, lhe resta ainda um sopro de vida. O corpo é uma máquina que o coração movimenta; existe enquanto o coração faz circular o sangue nas veias, e para isso não necessita da alma". (Veja a tal respeito o ensinamento contido no item 136-A do Livro dos Espíritos, onde se diz que a vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode animar um corpo sem vida.)
Quando Kardec obteve essa resposta não existia o conceito de morte cerebral. Ele se reportava então, com certeza, ao coma profundo, com alguma atividade cerebral ou à própria morte encefálica. Ora, se na agonia isso pode se dar, podemos deduzir com razoável dose de certeza que na morte encefálica o corpo é como "uma máquina que o coração movimenta" e "para isso não necessita da alma".
André Luiz trata do tema no cap. XVI, Mecanismos da mente - Secção da medula, de "Evolução em Dois Mundos", em que nos diz:
"...
depois de seccionada a medula de um paciente se observa, de imediato, a
insensibilidade completa, o relaxamento muscular, a paralisia e a eliminação
dos reflexos somáticos e viscerais, em todas as partes que recebem os nervos
nascidos abaixo do ponto em que se verificou o prejuízo."
Acrescenta André que essa paralisia e insensibilidade procedem do desligamento das regiões do corpo espiritual, correspondentes nos tecidos orgânicos e no cérebro, qual se desse a retirada da força elétrica de determinado setor.
Conclui André: "Semelhante desligamento, porém, não se verifica de todo, o que acarretaria, quando em níveis altos, irreversivelmente, o processo liberatório da alma com a desencarnação".
Com essas palavras, André está afirmando que, havendo uma lesão irreversível numa região do sistema nervoso central, ocorrerá desligamento das regiões do corpo espiritual correspondentes à zona atingida do corpo físico, e se a região lesada corresponder a níveis mais altos, isto é, regiões mais próximas do cérebro, ocorrerá o processo liberatório da alma. Ora, se a lesão irreversível atingir o próprio encéfalo, que é o centro regulador da vida, o desprendimento da alma se fará de forma automática.)
***
3. Como se processa o desprendimento da alma, uma vez morto o corpo? A prece pode ser útil ao desprendimento da alma?
De um modo geral, o Espírito continua ligado ao corpo enquanto são nele muito fortes as impressões da existência física. Indivíduos materialistas ficam retidos por mais tempo, até que a impregnação fluídica animalizada de que se revestem seja reduzida a níveis compatíveis com o desligamento. Essa demora no desprendimento é, no entanto, necessária, para que o desencarnante tenha menores dificuldades para ajustar-se às realidades espirituais.
O desprendimento começa pelas extremidades e vai-se completando na medida em que são desligados os laços fluídicos que prendem o Espírito ao corpo. No livro "Obreiros da Vida Eterna", cap. XIII, o instrutor Jerônimo informa que há três regiões orgânicas fundamentais que demandam extremo cuidado nos serviços de liberação da alma: o centro vegetativo, ligado ao ventre, como sede das manifestações fisiológicas; o centro emocional, zona dos sentimentos e desejos, sediado no tórax, e o centro mental, situado no cérebro. Essa foi a ordem em que ele atuou para facilitar o desprendimento de Dimas, descrito no referido livro.
A prece é muito útil no desprendimento do Espírito. Allan Kardec relata no livro "O Céu e o Inferno" o caso Augusto Michel, ocorrido em 1863, o qual pediu a um médium fosse até o cemitério orar no seu túmulo. O Espírito de Augusto Michel suplicou tanto, que o médium atendeu e, no próprio cemitério, ele comunicou-se agradecido, aliviado da constrição que antes o fazia preso ao corpo. Ao comentar o caso, Kardec indaga se o costume quase geral de orar ao pé dos defuntos não proviria da intuição inconsciente que se tem desse efeito.)
4. A
perturbação que se segue à morte é um acontecimento normal?
Ernesto Bozzano, no seu livro "A Crise da Morte", após examinar 18 casos cientificamente documentados sobre as fases do fenômeno da morte, enumera em 12 pontos as suas conclusões. Dentre eles, destacamos os seguintes: a) todos afirmaram terem ignorado, durante algum tempo, que estavam mortos; b) quase todos passaram por uma fase mais ou menos longa de "sono reparador"; c) os Espíritos dos mortos gravitam fatalmente e automaticamente para a esfera espiritual que lhes convém, por virtude da "lei de afinidade".
Léon Denis, em seu livro "Depois da Morte", explica que a separação da alma do corpo é seguida por um período de perturbação. Esse tempo é breve para o espírito justo e bom, que logo se separa com todos os esplendores da vida celeste, mas muito longo, às vezes durando anos inteiros, para as almas culpadas, impregnadas de fluidos grosseiros.
A perturbação que se segue ao momento da morte é tratada em minúcias nos itens 149 a 165 d' "O Livro dos Espíritos". O estado de perturbação é um fato natural em todos nós e varia de acordo com o grau de elevação moral do desencarnante (L.E., 163 e 164).)
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